Por que nossos banheiros ocidentais são como são?

Nossos hábitos no banheiro que causam estranheza em outras partes do mundo;  formato de vaso sanitário e pia é consequência de uma história secular

O modelo de banheiro presente na maior parte das residências, em todo o planeta, é herança da colonização europeia pelo mundo. Todavia, a composição atual – com vaso sanitário e pia – data de milênios e não teria sido possível sem os investimentos e a evolução do saneamento básico.

No texto “Ares, águas e lugares”, o filósofo grego Hipócrates (Séc. V a.C.) apontou que “a saúde de uma população está diretamente relacionada ao ambiente físico em que habita”. Conhecido como o pai da medicina, ele afirmava que para investigar adequadamente a saúde e a causa da doença é necessário observar e compreender o ambiente habitado desde as estações do ano, o vento, a água, sua posição geográfica, a terra e a paisagem e também os hábitos das pessoas que moram lá.

Esse conceito, com respectivas adaptações, permeou a evolução do saneamento básico em inúmeras civilizações. Porém, um traço negativo persiste: o banheiro como item de luxo. Ainda há grande parte da população mundial sem acesso regular a banheiros e saneamento básico – cerca de 4,2 bilhões de pessoas, segundo a Organização das Nações Unidas.

Assim, como na antiguidade, é preciso pensar o saneamento como uma medida coletiva de saúde pública e como forma de combate às desigualdades na sociedade.

Civilizações hidráulicas

A maior parte das primeiras civilizações registradas desenvolveu-se ao longo de bacias hidrográficas e perto de grandes rios. Os exemplos mais citados são Egito, Mesopotâmia, China e Vale do Indo, reunindo população capaz de manipular os recursos da terra, principalmente a água dos rios, o que foi fundamental para o crescimento. No Egito, por exemplo, o controle da frequência do rio Nilo permitiu um sistema de irrigação e a construção de diques e água encanada que abastecia o palácio. Na antiga Babilônia, há registros de redes de água e esgoto desde cerca de 3.000 a.C.

Mais tarde, a Civilização Romana desenvolveu sistemas de esgoto e abastecimento que possibilitaram o crescimento do império. Os Aquedutos, juntamente com um conjunto de latrinas e banhos públicos, eram essenciais para a cultura romana.

O banheiro era comunitário e não havia diferenciação de gênero. Os dejetos das latrinas eram recolhidos e levados para a Cloaca Máxima. Paralelamente a esse sistema, grandes aquedutos coletavam águas dos rios e a transportavam para os centros urbanos, abastecendo as cidades com água limpa. Durante o ciclo do Império Romano, havia o entendimento de que o saneamento básico era uma responsabilidade coletiva e, portanto, essas grandes obras eram orientadas pelo governo.

Moralismo e desigualdade econômica contra o saneamento

A partir da queda do Império Romano (476 d.C.) e da ascensão do sistema feudal, a concepção de responsabilidade coletiva em saneamento foi abolida e as condições sanitárias regrediram. Banhos públicos e latrinas foram proibidos por serem considerados imorais, o que afetou a relação das pessoas com a higiene, que passou de uma necessidade básica e coletiva a uma prática individual quase pecaminosa. Assim, sem a infraestrutura coletiva, a higiene foi adaptada às condições da época. Durante a Idade Média e parte da Idade Moderna, não houve construção de redes de esgoto ou abastecimento.

É a partir desse momento histórico que os banheiros como os conhecemos hoje começam a surgir. Nas casas mais nobres foram criadas salas de uso específico, apenas com uma latrina, enquanto a população mais pobre, em geral, fazia uso de penicos. Não havia rede de esgoto ou abastecimento de água e os resíduos eram jogados nos rios próximos, em terrenos baldios ou na rua, o que favorecia a propagação de doenças.

Londres e a cólera no século XIX

Os banheiros em sua configuração atual levaram cerca de cinco séculos para se tornarem populares, sendo mais comuns e acessíveis apenas a partir do século XX.

As latrinas evoluíram para o formato atual durante o século XVIII, quando o vaso sanitário com descarga foi criado na Inglaterra. O bidê, que também era uma adaptação da latrina, surgiu na França, no mesmo século, para a limpeza das partes íntimas. Há registros sobre equipamentos utilizados como chuveiro durante a civilização egípcia, mas o desenho atual também é datado do século XVIII.

Mas a conexão dessas novidades tecnológicas com uma infraestrutura de saneamento básico só foi possível no século XX. O primeiro sistema de saneamento reconhecido foi instalado em Londres para combater uma epidemia de cólera. A criação dessa infraestrutura e os resultados na contenção da doença foram um gatilho para a reconstrução e ressignificação da cultura de higiene pessoal.

Sentado ou de cócoras?

Um tópico controverso é: sentar versus agachar para defecar.

Ambos os tipos de sanitários foram usados na China durante a dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.). Atualmente, há diferenças regionais nessa preferência, embora o tipo que exige agachar predomine nos banheiros públicos de todo o país.

Ainda hoje, estima-se que dois terços do mundo se agachem e usem o que no Brasil muitos conhecem como banheiro turco, em que a privada é embutida no chão.

Muitos ocidentais continuam resistentes a esse hábito. Estudos constataram que muitas mulheres britânicas evitam contato direto com os assentos de banheiros públicos, preferindo se agachar em cima deles.

Anatomicamente, agachar-se também é a melhor postura, pois o ângulo favorece os movimentos intestinais. Isso sem falar nos benefícios à saúde em geral do agachamento — uma demonstração de força e flexibilidade em que os idosos chineses geralmente deixam os jovens ocidentais no chinelo.

Água ou papel?

A tendência em diversos países ocidentais de as pessoas se limparem apenas com papel higiênico depois de usar o banheiro — em vez de enxaguar — causa perplexidade em outros lugares do mundo.

A água limpa bem mais do que o papel: correndo o risco de inspirar uma reação de nojo, imagine tentar remover as fezes da pele apenas com papel.

Além disso, ainda que o papel higiênico não seja tão áspero quanto peças de cerâmica (usadas pelos gregos antigos) ou espigas de milho (usadas pelos americanos no período colonial), a água é bem menos abrasiva do que as marcas mais macias disponíveis no mercado.